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Degustaçao de vinhos tintos: quando um alazão argentino dos contrafortes andinos ganha de uma égua de Bordeaux

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ChevalFilho de herói da resistência francesa cujo Brasil foi terra de adoção desde o fim da Segunda Guerra, Charles Valentin passa o tempo entre Paris e São Paulo. No entanto, a sua principal ocupação consiste em auscultar o conteúdo das garrafas de vinho, bebida que tem como principal glória e o atributo, distinto de todas as outras, a infinita variedade de suas qualidades e sabores.

A vocação de Charles foi regada desde a juventude sobre as mesas da família originária das margens do Ródono, rio que irriga os vinhedos da vizinha Borgonha. Mais especificamente da meca gastrônomica Lyon, cidade de uma outra paixão do franco-brasileiro, o Olympique, time de futebol sete vezes campeão da França, e entre tantos outros craques, a equipe de Juninho Pernambucano e Fred.

O período de mestrado na Columbia Business School em Nova York ajudou Charles confirmar o que suspeitava, não podia ficar distante do mundo dos vinhos. Diplomou-se sommelier na renomada instituição parisiense Le Cordon Bleu e completou a sua formação em enologia no Wine & Spirits Education Trust, de Londres.

Durante os estudos, Charles teve ao alcance uma espécie de biblioteca particular com volumes raros e clássicos na qual adicionou seu gosto pessoal: uma cave com  mais de mil garrafas, tesouro deixado pelo pai em um subsolo as margens do Rio Sena.

Em São Paulo, Charles anima a confraria Vinhotropia. Parte da generosidade e talvez a atividade mais paciente de Charles tem sito dar dicas e sugestões ao Blog de Paris sobre vinhos. Sempre de forma inteligente, bem humorada e original. Desta vez, propôs degustação com ares de corrida de cavalos entre um tinto francês e outro argentino tendo como padrinho da disputa, o famoso Château Cheval Blanc.

Naturalmente, o Cheval Blanc, o louvado néctar dos deuses girondinos, um dos quatro Premier Grand Cru Classé A, junto com o Château Angélus, Château Ausone e Château Pavie, não entrou na raia.

Caso contrário, a situação lembraria a expressão francesesa dita no final de algumas provas de turfe e em situações evidentes: “Il n’y a pas photo.” Literalmente, “Não tem fotografia.” Quer dizer, nem precisa de tira-teima, o instantâneo da linha de chegada. Isso porque o cavalo vencedor cruzou a linha bem a frente do segundo colocado, em vantagem mais significativa que Por una cabeza, de arcordo com a letra do tango mais conhecido na voz do franco-argentino Carlos Gardel. O Cheval Blanc ganharia de qualquer concorrente argentino de acordo com a competência e paladar dos especialistas.

Charles explica o objetivo da degustação: “Achei interessante comparar o Petit Cheval, segundo vinho de um grand cru de Bordeaux com o Cheval des Andes, um grand cru argentino, ambos sob influência direta do acúmulo de conhecimentos e experiências do Château Cheval Blanc.

Na tradição francesa, a degustação é oportunidade para ir além das características dos vinhos. Reproduzo em seguida a conversa com Charles Valentin

Blog de Paris – Quem é o patrono deste turfe delicioso?

Charles Valentin – A renomada vinícola Château Cheval Blanc. Ela se situa em Saint Émilion, entre os rios Dordogne e Isle, em um terreno de calcário argiloso, coberto por uma fina camada de terra repleta de vinhedo. Mais amplamente, na região de Bordeaux, lugar em os especialistas e numero formidável de apaixonados consideram, devido à confluência benéfica de extraordinários fatores geográficos e a tradição de aptidões humanas, o paraíso da produção vinícola, Patrimônio da Humanidade, segundo a Unesco. O Château Cheval Blanc possui a melhor classificação entre os vinhos de Saint Émilion, a de Grand Cru Classés A. A vinícula pertence ao bilionário francês Bernard Arnault, dono do grupo de luxo LVMH.

Quem é o primeiro concorrente?

Le Petit Cheval, o segundo vinho do Chateau Cheval Blanc, safra 2004.

O que é um segundo vinho de um grande produtor?

Trata-se de um vinho produzido à partir de lotes que não atingem o padrão de qualidade requerido para o vinho principal. Geralmente são vinhas mais jovens, porém vem do mesmo solo e são processadas com as mesmas técnicas de vinificação do vinho lendário. A mistura de uvas também é a mesma. No caso, cepas de Cabernet Franc e  Merlot.

O ano 2004 foi favorável a boa safra?

Sim, muito boa. Em uma classificação na qual a nota máxima é 5, a produção de 2004 em Bordeaux foi avaliada em 4.

Qual é o seu juízo do potrillo gaulês?

A cor é um rubro denso. Os aromas e sabores são de frutas vermelhas maduras, mas de curta duração na boca. Sem dúvida um vinho elegante, fino e pouco incorpado. Isto quer dizer, se me for permitido o silogismo, e pela sua sublime delicadeza, um vinho feminino.

Quanto custa a garrafa?

Na França, vendem por 125 euros.

Não é barato.

Não é. Impute no preço, a reputação comprovada e merecida do nome Cheval Blanc.

Vamos ao desafiante argentino. Qual o pedigree?

Ele é feito pela Terrazas de Los Andes, famosa vinícola premium da região de Mendoza, no Vale do Uco, conhecido pela produção em altitude de ótimos vinhos varietais da casta Malbec, uva tradicional na Argentina. Aliada a Cabernet Sauvignon e a Petit Verdot produz efeitos bem agradáveis. As vinhas do Terrazas foram plantadas em 1929 ao norte do rio Tunuyán ainda guardam as suas raízes. Alí, bate sol 250 dias por ano e a temperatura média é de 14 graus Celcius. A combinação de fatores ajuda o amadurecimento profundo das uvas e a grande concentração de açúcar proporcionando cores densas, aromas intensos e texturas importantes.

Terrazas?

O nome vem de sedes vinículas que lembram a arquitetura avarandada das estâncias portenhas localizadas nos contrafortes da Cordilheira dos Andes, à cerca de 1500 metros de altitude.

O Chateau Cheval Blanc amarrou suas rédeas por lá?

Muito bem amarradas por sinal. O Chateau Cheval Blanc da França associou-se em  joint venture com a vinícola argentina Terrazas de Los Andes para produzir o vinho. O resultado é um surpreendente grand cru argentino no qual soube-se tirar proveito da associação entre o secular know how de corte do grande Bordeaux Cheval  Blanc com a privilegiada localização em altitude e tradição em produzir malbecs e cabernet sauvignons do Terrazas.

S’il te plait, decante o Cheval des Andes.

A cor é intensamente negra, purpura, escura, densa, impenetrável, proveniente do Malbec, com bordas roxas que sugerem boa capacidade de envelhecimento. Os aromas e sabores são de cassis, geléia de jabuticaba, balsâmico, amora e de torrefação. Os taninos são suaves e maduros. Tem a potencia e a elegância dos Bordeaux.

Hugh Johnson, autor do livraço História do Vinho, sustenta que o mercado determina o estilo. O Chile criou um vinho baseado nas ideias do Norte da Espanha e influenciado pela França. Sem um grande mercado interno para vinhos, tornou-se o principal. exportador dentro da América do Sul. Sua tendência foi de aprimorar na medida do possível seus padrões naturalmente elevados. Na Argentina aconteceu o inverso. A grande afluência de imigrantes italianos no início do século XX indicou que a direção que seguiria seu vinho. Seria áspero e rústico, doce e tânico, abundante e barato.

Exato, uma percepção precisa. Mas note um detalhe curioso. Embora seja nuance, vai na mesma direção da assertiva do Johnson. A cepa Malbec que se tem como natural da Argentina é de origem francesa. Vem da região de Cahors. Mais tânica o mundo ainda desconhece.

Finalmente, qual é seu veredito, entre os equinos do Velho Continente e Novo Mundo?

A degustação foi rica em prazer e bom papo. A meu juízo, a vitória sem dúvida foi do argentino Cheval des Andes cuja garrafa é vendida a 70 euros na França e 300 reais no Brasil.


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